

Um autor pouco conhecido no Brasil e muito reverenciado na América de língua espanhola. O mexicano Juan Rulfo é uma figura que se equipara, apesar de sua diminuta obra (quanto à extensão), aos grandes nomes da literatura latino-americana. Seu único romance, Pedro Páramo, aborda com um lirismo pungente a forte relação que existe entre a cultura mexicana e a morte. Pelo menos para mim, com meu parco conhecimento sobre o México, sempre pareceu notável a abordagem distinta — simultaneamente irreverente e respeitosa — que o país de Rulfo manteve ao abordar a “Indesejada das gentes”.
O pano de fundo é um filho que, quando do falecimento de sua mãe, parte para o poeirento povoado de Comala em busca de notícias de seu pai. Ao chegar, depara-se com um povoado desabitado, pelo menos por pessoas vivas. Apesar disso, passa a ter contato com diversos espíritos que penavam seus pecados pelas ruas da cidadezinha. A tênue linha que separa vivos e mortos torna-se mais tênue, atingindo a inexistência. Vivos e mortos, portanto, passam a compartilhar o mesmo estatuto.
Juan Preciado, o filho em busca de notícias do pai (Pedro Páramo) descobre então, em conversas com os espíritos que cruzavam seu caminho, que seu pai fora um rico fazendeiro, detentor de todas as terras da região e que sua mãe fora apenas uma de suas muitas esposas. Páramo era uma espécie de coronel “à brasileira”, dominador, cruel e manipulador. Porém, passa a sofrer reveses sucessivos: a morte de seu filho Miguel, a loucura de sua última esposa, Susana, etc. Esse fio condutor aproxima Juan Rulfo dos grandes nomes da literatura dos anos 50, notadamente da literatura latino-americana. A partir da fala do crítico Jorge Ruffinelli sobre o romance (“a fábula de um poder que se estraçalha contra o destino”), podemos aproximar os sofrimentos do todo poderoso Pedro Páramo aos de Paulo Honório, em São Bernardo de Graciliano.
Os capítulos descontínuos parecem tecer histórias paralelas que se convergem em um ponto comum: a morte. As várias personagens que vão surgindo são inicialmente desconexas à história central, mas vão ganhando importância à medida que a narrativa avança.
De linguagem contida e concisa, Rulfo mostra-se, sob meu humilde olhar, um adepto da corrente literária do século XX que busca nas particularidades, nas regionalidades o que existe de mais universal. Num poeirento povoado do estado de Jalisco, no centro do México, é possível encontrar e discutir as vicissitudes da morte. Foi possível também nas veredas dos sertões de Minas Gerais, no centro do Brasil, discutir as relações entre o bem e o mal, entre Deus e o Diabo.
O mais impressionante é que se termina de ler Pedro Páramo com a sensação de se ter conhecido um pouco sobre a cultura do México sem deixar de lado um dos assuntos mais caros à literatura: a morte.
Leandro S. Megna
RULFO, Juan. Pedro Páramo e Chão em chamas. Tradução de Eric Nepomuceno. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.