
Propus-me a ler os contos obedecendo à ordem sugerida, ainda que em seu prefácio o autor evidencie as várias possibilidades de leitura de sua coletânea.
O primeiro dos contos - e mais antigo - foi escrito por Nikolai Karamzin, autor desconhecido no Brasil e que sinaliza, pela fluidez de seu texto, apesar de sua profundidade, um excelente início na tradição dos contos russos.
O conto escolhido nessa coletânea, e único em meu repertório no que tange a esse autor, chama-se Pobre Liza. Seria apenas mais uma história de amor não correspondido não fossem dois fatores: a já mencionada fluidez do texto que, não obstante a temática romântica, não chega nem perto de ser piegas; e o pano de fundo, a Rússia do início do século XIX, que sob o governo czarista propõe análises sociológicas muito profundas e interessantes.
Gostaria de me concentrar no segundo fator, já que a fluidez do texto pode ser bem pouco discutida por mim, dada a minha total ignorância no idioma russo e posto que a fluidez pode ser atribuída também à primorosa tradução feita por Natalia Marcelli de Carvalho e Fátima Bianchi.

Essa impossibilidade culmina com o suicídio de Liza ao descobrir que, por razões pecuniárias, Erast se comprometera a outra mulher.
É um conto que pode muito bem ser enquadrado no rol do grande Romantismo europeu, contando ainda com o sabor das grandes narrativas russas que estariam por vir.
O segundo conto, Viagem a Arzrum, pertence a um autor mais conhecido dos brasileiros, Aleksandr Púchkin. Conhecido como um dos grandes russos (Tchékov, Gógol, Dostoiévski, etc.), Púchkin recebeu na coletânea organizada por Gomide um conto que, pelo menos a mim, figurava como desconhecido.
Esse conto, escrito em 1835, narra com detalhes descritivos impressionantes (e nem um pouco descartáveis, como costumam ser considerados esses detalhes quando se leem textos mais longos), a viagem do poeta à cidade de Arzrum, na região do Cáucaso. Trata-se, em verdade, de um misto de memória e ficção em que se descreve a jornada do poeta pela Rússia, pela Geórgia, pela Armênia e pela Turquia, no ano de 1829, a fim de encontrar-se com o exército russo. Os nomes dos vários generais, paxás e chefes locais devem, em uma leitura mais detalhada, ser de bastante interesse. Porém, em prol de uma fluidez maior do texto, preferi tratá-los como meras personagens internas à narrativa, desprezando seu valor histórico, que deve ter sido fundamental para um leitor da época.

O que realmente interessou na leitura de "Viagem a Arzrum" foi a descrição detalhada de paisagens, cidades, pessoas e culturas muito diversas da nossa. A estadia do autor em Tiflis (ou Tbilisi), capital da Geórgia, é recheada de episódios de enriquecimento cultural impressionante, como a descrição dos banhos públicos, das fisionomias das belas mulheres georgianas, da música e das praças da cidade. Sua travessia para a Armênia configurou-se uma alteração de toda a paisagem, menos tórrida, mais rude. A brutalidade turca também é descrita em detalhes.
Ambos os contos valem a leitura por contituírem quadros de um momento e de um lugar muito distantes do nosso. A Rússia particularmente tem despertado em mim um interesse muito intenso, porque a imensidão não concerne apenas a seus territórios, mas (e especialmente) à sua riqueza cultural.
KARAMZIN, Nikolai. Pobre Liza. In: Nova Antologia do Conto Russo. Tradução de Natalia Marcelli de Carvalho e Fátima Bianchi. Organização de Bruno Barretto Gomide. São Paulo: Editora 34, 2011.
PÚCHKIN, Aleksandr. Viagem a Arzrum. In: Nova Antologia do Conto Russo. Tradução de Cecília Rosas. Organização de Bruno Barretto Gomide. São Paulo: Editora 34, 2011.
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