7 de janeiro de 2012

“Isso não pode durar muito!”


Continuando nossa jornada pelas literaturas pouco conhecidas para nós brasileiros, partiremos para o tcheco Karel Čapek. A edição de suas Histórias apócrifas, traduzidas pelo professor Aleksandar Jovanovic (do qual eu tive o prazer imenso de ser aluno e comprovar seu amplo conhecimento sobre as línguas e literaturas do Leste Europeu), reúne contos que abordam situações inusitadas, como o julgamento de Prometeu por ter roubado o fogo dos deuses, as “fofocas” que corriam entre os soldados gregos que lutavam em Troia, etc. Todas as situações são tratadas com uma atualidade incrível e contam com uma ironia muito refinada.

Porém, vou me concentrar aqui em um conto que me impressionou bastante: trata-se do segundo conto do livro, chamado Sobre a decadência dos tempos. Esse conto é um grito contra o conservadorismo e certos discursos tradicionalistas que ainda imperam entre nós. É uma ironia patente o fato de o conto ter como pano de fundo um diálogo entre dois velhos (um senhor e uma senhora) que viviam na mesma aldeia durante a Idade da Pedra.

As duas personagens lamentam algumas posturas dos mais jovens. O velho Janecek lamenta que suas tradicionais lanças em pedra lascada já tenham caído em desuso devido à descoberta de um novo material, mais fácil de manusear, ainda que mais frágil: o osso. A velha Janecková não consegue admitir a eficácia da nova técnica de curtir o couro de urso (utilizando cinzas) em detrimento de sua tradicional esfregação do couro na pedra. O fato é que o único argumento utilizado pelos velhos contra as novas técnicas é o velho “sempre se fez assim”.

Čapek consegue captar a recepção duvidosa que certas inovações sofrem. O velho Janecek mostra-se hesitante quanto à nova técnica de troca de mercadorias: “Se eu abato o sujeito que encontro pela frente e tomo seus bens, fico com as mercadorias dele sem dar nada em troca”. Algumas atitudes absurdas são perpetuadas pelo simples motivo de sempre terem sido praticadas. O conto, escrito em 1931, ganha maior significação quando consideramos que nesse momento surgiam os grandes movimentos totalitários, de extrema-direita, que buscavam as raízes tradicionais de determinados povos, supostamente defendendo-os de novas ideias “subversivas” e que, na verdade, só ameaçavam o status quo de determinados grupos dominantes.

Além disso, a ironia maior está por vir. Em sua lamentação final, o velho amplia seus maus augúrios pressagiando um fim próximo a uma humanidade que, paradoxalmente, evoluiria graças às inovações às quais ele dirigiu suas imprecações: “Pois eu lhe digo uma coisa — ergueu a voz Janecek, o homem das cavernas, num arroubo profético —, isso não pode durar muito!”.

Leandro S. Megna

ČAPEK, Karel. Sobre a decadência dos tempos. In: Histórias apócrifas. Tradução de Aleksandar Jovanovic. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2009.

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