8 de abril de 2012

Liberdade incondicional


Um funcionário público, metódico, burocrático e respeitável deixa sua vida infeliz e fingida em busca da liberdade que somente as ruas da "boca do lixo" de Salvador poderiam lhe dar. Essa libertação se dá de maneira violenta, explicitando tudo aquilo que Joaquim Soares da Cunha deixara de dizer em favor de uma vida sossegada, segura e pacata. Sai aos gritos, chamando a mulher e a filha de "jararacas", abandona seu emprego e enfia-se nas casas e nos botecos da ladeira do Tabuão.

Lá, Joaquim Soares da Cunha passa a ser conhecido como Quincas Berro Dágua, o vagabundo mais conhecido de toda Salvador. A família, humilhada, prefere supor que o "pai de família" morrera, e com toda a honra que lhe era devida antes.

Acontece que o velho morre e a família vai acudir os compromissos do velório e do enterro. Surge o primeiro impasse: onde velá-lo? Em casa? E ter de suportar os comentários maldosos dos vizinhos e conhecidos? Não. Seu velório é feito no mesmo quarto imundo onde vivera nos últimos anos.

Aí o trecho mais interessante de todo o livro: a filha, Vanda, e o pai morto restam sozinhos no pequeno quarto infecto. A filha se sente triunfante, afinal vencera o duelo entre a vida regrada e a vida libertina. Agora seu pai não poderia mais importunar os bons costumes da família. Porém, o defunto sorria. O sorriso do defunto era uma afronta a sua conquista. O mesmo capítulo mostra a aparente vitória da filha e o triunfo (de fato) do defunto, que vencera e que humilhara a família até mesmo morto.

Ao seu velório, vêm os amigos de vadiagem. O segundo problema para a família que procurava manter a respeitabilidade de uma família pequeno-burguesa e católica. Ferida em seu orgulho, a família de sangue deve suportar a verdadeira família de Quincas, a ralé da cidade baixa, que fica a cargo dos cuidados do corpo. Acontece que Quincas, de maneira bastante fantástica, ressuscita e sai pela derradeira vez com seus parceiros da rua.

Depois de estar livre das roupas "respeitáveis" com que a funerária o pusera no velório, Quincas reencontra Quitéria, sua amante, e todos seus colegas de farra. Morre finalmente, jogando-se ao mar, como pretendera desde o início. Assim não estaria preso a um caixão, enfiado sob a terra, mas teria a possibilidade de viajar por todos os lugares por onde não andara ainda.

O livro remete à velha disputa entre a liberdade (perigosa e arriscável, mas exultante e lasciva) e as regras (intoleráveis e burocráticas, mas seguras e peremptórias). Jorge Amado, definitivamente, dá vitória à liberdade!!!

AMADO, Jorge. A morte e a morte de Quincas Berro Dágua. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

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