Nassar, que hoje vive no interior de São Paulo, teve uma muitíssimo breve carreira de escritor. Depois de ter escrito dois romances e alguns contos, Nassar se retirou da cena literária. Quando questionado sobre a retomada de sua carreira, o autor responde não ter nada mais a dizer ao mundo.
Construído como um fluxo de consciência contínuo de uma personagem masculina, a narrativa de "Um copo de cólera" nos faz imergir em um frenético arrolar de percepções, sentimentos e arroubos de raiva. Nos bastidores estão os pensamentos do narrador em busca de argumentos e palavras que poderiam ser empregados para ganhar uma discussão.
O romance começa com uma noite de intenso amor entre ambos. Como reféns do fluxo de consciência do narrador, somos obrigados a acompanhá-lo nos cálculos feitos durante o ritual do sexo, levados a analisar junto a ele as diversas ações e previsões construídas no intuito de demonstrar uma performance e de impressionar a parceira.
Na manhã seguinte, o narrador se depara com evento doméstico corriqueiro que o leva a tratar com rispidez uma das funcionárias da casa. A parceira, presenciando essa cena, se volta contra o narrador, condenando-lhe a postura autoritária.
Daí em diante começa a parte mais extensa do romance, chamada "Esporro". Com um título que remete simultaneamente ao ato sexual (a ejaculação) e à discordância de ideias, somos conduzidos por um paradoxo entre razão e emoção. Em um arrebatamento de ira, a troca de ofensas e insultos (o que está aparente) é apenas o resultado de pensamentos calculados (o que está escondido na mente) com o fim de destruir o argumento da parceira. A discussão entre as duas personagens, que passa por considerações políticas, afetivas, de idade e de posição social que cada um ocupa, vai desde ofensas pessoais até algumas reflexões metafísicas.
Ao leitor cabe apenas passear por seus revoltosos pensamentos e assistir ao desenrolar de ações cada vez mais violentas.
O resultado é um romance altamente dinâmico. Sua linguagem, que desrespeita convenções gramaticais de pontuação, busca reconstruir no campo da expressão a fluidez do pensamento humano. Além disso, o vocabulário, repleto de gírias e palavras de baixo calão, reconstrói a atmosfera de raiva, de ira e de cólera. O copo de cólera, de que o narrador se serve durante a violenta desavença, é inevitavelmente bebido também pelo leitor, atado a um momento de perda de razão.
Tanto "Um copo de cólera" quanto o outro romance de Nassar, "Lavoura arcaica", foram adaptados para o cinema.
NASSAR, Raduan. Um copo de cólera. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
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