Um escritor argentino mundialmente renomado, Daniel Mantovani, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, retorna à cidadezinha onde nasceu, Salas, depois de quarenta anos vivendo na Europa. Sua chegada, a princípio muito festejada, altera a vida de toda a população, reavivando tensões antigas e fazendo emergir tensões novas, embora sempre latentes, em uma sociedade conservadora e hipócrita.

No entanto, a tensão ainda aumentaria muito. Em uma das palestras de que Daniel participa na cidade, é confrontado por uma jovem, Julia. De modo bastante atrevido, Julia invade o quarto em que Daniel estava hospedado e ambos transam.
Em uma visita à casa de Antonio, com a presença de Irene, a tensão podia ser quase palpável. Contudo, o clima se tornaria ainda mais problemático quando, durante um diálogo em que Daniel contava a Antonio sobre a garota (uma verdadeira puta, nas palavra do escritor) com que transara na noite anterior, chegam, em uma moto, duas pessoas à casa do anfitrião. Ao tirarem o capacete, o espectador descobre que uma das pessoas recém-chegadas é Julia, filha de Antonio e namorada de um personagem animalesco, que conseguia tão somente emitir sons guturais.
Além da grande tensão na relação estabelecida com o antigo amigo, Daniel tem de enfrentar a resistência de um grupo de moradores, que o acusa de ter enriquecido por meio da deturpação da honra dos moradores da cidade, descritos em seus romances como hipócritas e aproveitadores. Daniel é apresentado como alguém que se vendeu ao gosto europeu, descrevendo os argentinos (ou mais especificamente os moradores de Salas) como brutos.
Daríamos razão aos acusadores de Daniel se inúmeras relações entre os habitantes da cidade não demonstrassem que sua ficção estava mais próxima da realidade do que se imaginava. Os recorrentes casos extraconjugais de Antonio, a autopromoção quase extorsiva do prefeito, as fraudes no concurso de arte promovido entre os moradores do lugar acabam por dar veracidade à maneira pouco elogiosa com que Daniel descrevera, nos romances que o consagrou, a sociedade de onde saiu.
Sua permanência da cidade fica insustentável e precisa ter seu retorno antecipado. Correndo risco de vida depois ter trazido à tona toda a rede de ódio e hipocrisia latente no vilarejo, Daniel sofre um atentado promovido justamente por seu amigo de infância.
Tendo retornado à Europa, Daniel lança um novo livro, no qual conta suas experiências durante a permanência em Salas. Indagado sobre a verdade daquilo que relatou em sua nova obra, Daniel apresenta um discurso surpreendente que mostra que a arte, ainda que ficcional, pode ser menos mentirosa e hipócrita do que as relações que as pessoas constroem.
Um filme que, no início, parece ser apenas o retorno de alguém às suas saudosas origens, marcadas pelas doces lembranças da infância revela-se um grande grito de socorro àqueles que se sentem desajustados no lugar em que vivem e que fazem muito bem em buscar novos cenários, por vezes mais saudáveis. Inicialmente admirado como um verdadeiro deus, Daniel aos poucos se transforma em uma figura invejada para, ao final, tornar-se odiado por seus conterrâneos. Tudo devido à agudeza de seu olhar sobre as dissimuladas estruturas sociais de um vilarejo.
Mariano Cohn e Gastón Duprat. O cidadão ilustre. Argentina, 2016.